segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Às Escondidas


A usina de Belo Monte, ao secar a Volta Grande do rio Xingu, expõe ao sol da opinião pública algo mais que o limo das pedras. A empresa canadense Belo Sun Mining, do grupo Forbes & Manhattan, pretende fazer ali o "maior programa de exploração de ouro do Brasil", investindo mais de US$ 1 bilhão para extrair quase cinco toneladas por ano do precioso metal.
Já no Relatório de Impacto Ambiental da usina constava o interesse de 18 empresas em pesquisa e exploração mineral na área, mas o Ibama achou esse dado irrelevante.
O licenciamento da mineração está sendo feito pelo governo do Pará. Tudo indica que o conhecimento do potencial mineral só é segredo para a população, os "investidores" têm o mapa da mina há tempos.
O Brasil vive uma nova "corrida do ouro", silenciosa e oculta da opinião pública, mas intensa ao ponto de fazer a atividade mineradora saltar de modestos 1,6 % para expressivos 4,1% do PIB em só dez anos.
Nem é preciso dizer que esse aumento, embora inserido na ascensão brasileira na economia mundial, é continuidade da velha condição de colônia: as riquezas do subsolo brasileiro destinam-se, em sua quase totalidade, ao comércio exterior. As "veias abertas da América Latina" (feliz e triste expressão de Galeano) continuam sangrando.
Por trás dos grandes negócios e notórias fortunas, sempre financiadas e facilitadas pelo Estado, oculta-se um submundo de devastação ambiental e violência contra populações tradicionais.
O Congresso Nacional avoca para si o poder de demarcar terras indígenas e nelas licenciar atividades econômicas, enquanto discute um novo Código Mineral e a criação de uma agência para o setor.
Enquanto isso, pedidos de licenças para pesquisa e exploração continuam a ser concedidas aos que chegarem, em processo pouco transparente.
No Congresso, debate-se mudanças na lei para dificultar a demarcação de novas áreas de proteção (reservas, parques, quilombos, terras indígenas), diminuir o tamanho das já demarcadas e licenciar a exploração de suas riquezas. Na forma como são feitas, as mudanças atendem à demanda de grupos econômicos alheios aos interesses da sociedade e do país.
O governo entra com a negociação no varejo da política e as justificativas publicitárias do "interesse nacional" e da "inclusão social". À sociedade falta o que poucos detêm: informações profundas que possibilitam definições estratégicas que atendam a interesses mais amplos.
Na vida pública, o debate superficial das questões mais importantes se assemelha à infantilização promovida pelos candidatos que se oferecem para cuidar do povo. A conversa dos adultos, entretanto, é feita às escondidas. Até quando? 
Marina Silva (Folha de São Paulo - 21/09/2012) 

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Nada indica uma rápida solução da Crise na Síria


A recente visita a Damasco do enviado da ONU e da Liga Árabe, Lakhdar Brahimi, e a reunião realizada esta semana no Cairo pelos chanceleres egípcio, iraniano e turco, em nada indicam uma pronta solução da crise na Síria.

 "Ninguém está em desacordo com a necessidade de deter o derramamento de sangue e restaurar a harmonia entre a população nesse país", disse na sua chegada Brahimi, mas prosseguiu sem adiantar propostas ou ações sobre os caminhos que sua mediação seguirá.
Após sua entrevista com o presidente Bashar al-Assad, declarou: "Não há um plano agora, desenvolveremos um depois de nos reunirmos com todos os envolvidos e espero que o plano seja útil para a salvação da Síria".
No Cairo, a ausência da Arábia Saudita, um dos principais inimigos do povo sírio, abriu questionamentos, pois Riad, em cumplicidade com Washington, é um dos principais financiadores de armas e de grupos mercenários que atacam no território sírio.
Este grupo, formado pelo presidente egipcio, Mohamed Morsi, em julho passado, em uma cúpula islâmica em Meca e ratificado pela 16ª Cúpula de Países Não Alinhados em Teerã, é mais uma entre outras iniciativas, e vê-lo de forma otimista é uma leitura apressada. Três dos seus membros pedem, para uma solução, a saída do governo do presidente sírio, algo que não deve avançar e frearia qualquer negociação antes de germinar.
Em sua visita nesta quarta à capital síria, o chanceler persa, Ali Akbar Salehi, ratificou seu apoio às posições das autoridades governamentais sírias durante um encontro com o presidente al-Assad. O presidente manifestou apoio a todas as iniciativas apresentadas para encontrar uma solução para a crise, reafirmando que a chave para o sucesso de qualquer delas consiste na sinceridade das intenções de ajudar seu povo.
Ele reiterou que seu país está aberto a negociações que respeitem a soberania, a liberdade de decisão das pessoas e a rejeição de interferência estrangeira. Em outras palavras, qualquer abordagem do problema que insista em sua saída [de Assad] e esteja carregada de ingerência externa, desconhecimento da soberania nacional e do direito dos sírios de decidir sobre o seu próprio destino parece encaminhada ao fracasso.
Seria preciso esperar para ver se a outra iniciativa ou plano que Brahimi decida seguir exclui as pressões sobre o que deve ou não fazer o governo de Damasco.
A abordagem de diálogo, reiterada pelas autoridades locais, foi apoiada por mais de 24 organizações políticas e personalidades de oposição, que convocaram uma conferência nacional de toda a oposição e dos partidos de dentro e fora, para resolver a crise.
Os participantes indicaram que o chamado surge para alcançar um diálogo entre sírios, sem pré-condições ou pré-conceitos, e para trabalhar em busca de deter o derramamento de sangue e preservar a integridade territorial e a unidade nacional.
Essa é uma das máximas que Brahimi defendeu, mas é preciso ver qual é a reação de fatores externos que apoiam com financiamento, armas e todo tipo de ajuda, os bandos irregulares, que até agora se negam a dialogar. Quando os grupos armados cogitam isso, põem como condição a saída de al-Assad do governo.
Além disso, o Ocidente confirmou sua intenção de continuar "colocando lenha na fogueira" com o envio de armas e mercenários, segundo indicou uma fonte russa e apontaram notícias divulgadas pela imprensa internacional.
Aqueles que apoiam a violência se preparam para enviar um grande lote de suprimentos militares aos grupos armados sírios, revelou a mídia em Moscou.
Recentemente veículos de comunicação divulgaram a chegada ao porto turco de Iskanderun, na costa leste do Mediterrâneo, de 400 toneladas de material de guerra da Líbia, que foram transportadas no navio "Victoria", com destino aos irregulares sírios.
Nos últimos dias, o Exército Árabe Sírio destruiu vários veículos com armas, entre eles diferentes tipos de mísseis, incluídos os SAM-7, que tinham como destino os bandos armados, qualificados como terroristas pelas autoridades.
Nesta difícil situação, o governo procura cortar o fornecimento de suprimentos para os bandos, enquanto estes e seus aliados persistirem no uso de armas.
Até agora, nada indica uma situação otimista para a solução da crise síria que acabe com a violência, que, segundo disse Mahatma Gandhi disse, "é o medo dos ideais dos demais."

Por  Luis Beaton, em Prensa Latina


terça-feira, 11 de setembro de 2012

Manifestantes rasgam bandeira da embaixada dos EUA no Cairo


Centenas de manifestantes escalaram os muros da embaixada dos Estados Unidos no Cairo e arrancaram a bandeira americana, pendurada no prédio, durante protestos contra um filme considerado ofensivo ao islã.
No lugar da bandeira americana --rasgada em pequenos pedaços--, os manifestantes tentaram hastear uma bandeira negra com a frase "Não há Deus senão Alá, e Maomé é seu profeta", disse um repórter da agência Reuters presente no local.
 
Manifestantes destróem bandeira da embaixada dos EUA no Cairo
Segundo o site do jornal egípcio "Ahram", os manifestantes são cerca de 4.000 pessoas, a maioria salafistas, que responderam ao chamado de um líder religioso, Abdel-Wareth, para um protesto público contra o filme "Muhammad's Trial" ("O Julgamento de Maomé") --produzido nos EUA e que, segundo os críticos muçulmanos, insulta o profeta.
Muçulmanos consideram ofensiva qualquer reprodução de imagens que retratem Maomé.
"Este filme deveria ser proibido imediatamente e deveriam pedir desculpas por ele. É uma desgraça", afirmou Ismail Mahmoud, um jovem de 19 anos que estava no protesto. Ele era membro de um grupo de torcedores de futebol que tiveram papel importante nos protestos que derrubaram o ditador Hosni Mubarak no ano passado.
 Manifestantes escalam muro da embaixada dos EUA durante protestos
Os manifestantes deveriam se reunir às 17h (horário local), em frente à embaixada americana no Cairo, segundo a convocação de Abdel-Wareth, que também é presidente do canal de TV egípcio Hekma.
Imagens do episódio também foram exibidas pela rede de TV americana CNN.
O protesto, inicialmente pacífico, ficou tenso depois que manifestantes começaram a lançar fogos de artifício. Alguns presentes pensaram que o barulho fosse de tiros.
O Exército egípcio interveio, cercando a embaixada para conter a situação. Não há relato de feridos ou mortos, nem de danos ao edifício da embaixada.
POLÊMICA
O filme controverso está sendo produzido por um grupo de egípcios cristãos coptas, incluindo Esmat Zaklama e Morees Sadek, com apoio do pastor americano Terry Jones.
Várias igrejas locais do Egito condenaram o filme nos últimos dias, declarando que os produtores não representavam a comunidade cristã do Egito. Os cristãos no Egito somam cerca de 10% da população de 83 milhões de habitantes do país.
Líder de uma igreja evangélica da Flórida, Jones queimou em abril o Corão [livro sagrado muçulmano]-- em um ato do qual participavam 20 pessoas e que foi exibido ao vivo pela internet-- e exigiu a libertação do pastor evangélico iraniano Youssef Nadaryani.
Nadaryani foi condenado à morte por apostasia, ao ter abandonado a religião muçulmana há 16 anos e ter se convertido ao cristianismo.
REAÇÃO
As autoridades dos EUA não haviam ainda comentado oficialmente o incidente.
No entanto, mais cedo na terça-feira a embaixada havia divulgado uma nota condenando todos aqueles que agredissem os muçulmanos ou os seguidores de qualquer religião.
"Nós rejeitamos firmemente as ações daqueles que abusam do direito universal de livre expressão para ferir crenças religiosas de outros", declarava o comunicado.
Um dos slogans rabiscado nos muros da embaixada, que fica próxima da praça Tahrir (palco dos protestos em massa contra Mubarak), dizia: "Se sua liberdade de expressão não tem limites, aceite nossa liberdade de ação." (Agência de Notícias – Folha de São Paulo – 11/09/2012)