Para quem não acredita, muito boa informação sobre a escalada gradual
do nazismo germânico pode ser encontrada no filme "Arquitetura da
destruição" ["Undergångens arkitektur"], um clássico do cinema
documentário produzidocom pouquíssimos recursos materiais.
Não nos iludamos quanto à semelhança entre nazistas
históricos e alguns homens do presente (evangélicos ou não) que andam
por aí tratando coisas demasiadamente humanas como se fossem as
trombetas do Apocalipse. O nazismo também começou assim: meia dúzia de
psicóticos atiçando os instintos higienistas do povo, repetindo à
exaustão que a Alemanha estava moralmente poluída, degradada... Deu no
que deu. Logo após a ascensão de Adolf Hilter ao poder, loucos e
alienados já eram incinerados em falsos manicômios secretos. Depois, foi
o Holocausto: ciganos, homossexuais, judeus, negros. Nenhum desses
grupos agradava ao rancor de província dos "certinhos".
O filme reúne uma impressionante documentação fotográfica e
audiovisual sobre o chamado "Terceiro Reich", mostrando inclusive que a
"mania de limpeza" de Hitler e seus comparsas era de uma coerência
horripilante. De maneira monstruosa, baseava-se em padrões formais de
beleza "inspirados" nos contornos do Classicismo e da Antigüidade
greco-romana. Com essa documentação e uma locução primorosa (na voz do
consagrado ator Bruno Ganz), o diretor do filme, Peter Cohen, mostra bem
aos seus espectadores como Hitler foi uma espécie de idiota pop:
confundiu a vida real com a fabricação tirânica de um mundo "puro". E,
como era um borderliner, decidiu "adequar" seu país àquela fantasia
diabólica, eliminando fisicamente os "indivíduos" que, segundo o seu
juízo delirante, eram por assim dizer "pontos fora da curva" em relação a
uma suposta cultura germânica: aberrações e anomalias segundo os
princípios organizadores de sua obssessão. Isso lembra algo sobre o
besteirol conservador atual ao redor dos gays?
Grande parte dos pregadores que hoje jogam sobre nós sua peçonha
patinam nessa mesma loucura esquisóide. Humanismo zero. Seu desvio
consiste em negar aos irmãos o direito à lacuna, ao vazio, à ausência e à
falha, como se fôssemos máquinas retilíneas de obedecer a preceitos.
Por isso, quem tem a cabeça e o coração no lugar certo se assombra
quando vê engravatados em catarse que, em nome de princípios morais
religiosos, glorificam o assassinato brutal de poetas, compositores e
humanistas de todo o tipo. O delírio hitlerista também tinha seu quê de
teocracia: Hitler achava-se um herói cuja missão eram "limpar" a Europa
(e o Mundo) de uma alegada "decadência". E a pior das decadências, para
ele e seus seguidores, era exatamente a "mistura".
No contexto dos debates atuais sobre nazismo e direitos humanos,
sobretudo no Brasil, o filme de Peter Cohen merece ser visto e revisto.
Faz pensar em questões importantes que atravessam a nossa tradição de
tolerância e convivência interétnica, que um punhado de malucos decidiu
agora atacar.
Por José Guilherme
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